“É meu dever legar ao meu sucessor e à posteridade uma
Diocese Anglicana neste território”
(+Dom Robinson Cavalcanti, ose – Bispo da Diocese do Recife)
A Igreja é um projeto de Deus. Seu fundador é o próprio Jesus Cristo:
“Eu edificarei a minha igreja”, disse Ele. A Igreja não tem dono; Seu
único chefe é o próprio Jesus – o Cabeça (Ef 1.22; 5:23; Cl 1:18), porém
designou um grupo de doze apóstolos para cuidar dela. Estes, por sua
vez, constituíram bispos para darem continuidade à tarefa a eles
confiada (por isso, no contexto do Novo Testamento, a Igreja que ficou
sob os cuidados dos apóstolos tem uma eclesiologia episcopal – At 20:28;
Fp 1:1; 1Tm 3:1; Tt 1;7).
Mais
tarde, os apóstolos deveriam constituir bispos porque estavam prestes a
deixar esse mundo e irem juntar-se com o Senhor da Igreja. Os bispos,
então, são os sucessores dos apóstolos do Novo Testamento. Sendo assim,
ela é uma instituição divina e humana ao mesmo tempo.
Na
sua dimensão humana, ela é visível e católica, consta de pessoas vindas
de todas as tribos, línguas, povos e nações que professam sua fé no
Nome daquEle que está acima de todos os nomes: Jesus Cristo, o Rei dos
reis e Senhor dos senhores. A esta dimensão de Igreja, o Senhor Jesus
Cristo deu o ministério dos oráculos e dos sacramentos para o
amadurecimento dos santos assistidos pelo poder do Espírito Santo (At
1.8), até que Ele venha em glória (Segundo Advento).
Na
sua dimensão divina, ainda que a dimensão humana esteja sujeita a erros
e à degeneração, conforme reconheceu o reformador Martinho Lutero, ela
sempre será uma Igreja Católica, Una, Santa e Apostólica, poderosa na
terra, para adorar a Deus por toda a eternidade.
Segundo
a Confissão de Fé de Westminster: “A Igreja Católica, que é invisível,
consta do número total dos eleitos que já foram, dos que agora são e dos
que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu Cabeça; ela é a
esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as
coisas”.
A
Diocese do Recife, em franco processo de amadurecimento, tem como uma
de suas funções prioritárias, promover a cura substancial nas relações
interpessoais que foram afetadas pela Queda (Gn 3), com base na obra
consumada e completa de Jesus Cristo no espaço, no tempo e na história,
há mais de 2.000 anos, numa cruz do monte Calvário.
Quando
nossos primeiros pais pecaram, esta Queda desencadeou primeiramente um
conflito de ordem espiritual ou teológico (entre Deus e o homem: “Quando ouviram a voz do Senhor... esconderam-se da presença do Senhor Deus, o homem e sua mulher”
(Gn 3:8). A tendência que os homens e as mulheres têm de fugir da
presença de Deus é um reflexo da Queda (por isso, é nosso dever
evangelizar, anunciar o evangelho da reconciliação). Outra tendência é a
de responsabilizar Deus pelos problemas que existem no mundo
(precisamos investir mais na formação de Escolas Dominicais, IATs e
SATs, na formação apologética para dar respostas honestas a
questionamentos sinceros; estarmos aptos para explicar a razão de nossa
fé). No texto bíblico, fica claro que Adão acusou Deus de ter tido à
ideia de criar a mulher: “a mulher que tu me deste como companheira” – Gn 3:12).
Em seguida, o conflito de ordem emocional ou psicológica: “ouvi a tua voz no jardim, e, porque estava nu, tive medo, e me escondi”,
ficou perturbado, entrou em crise consigo mesmo (Gn 3:10). O
crescimento das doenças psicossomáticas de nossa época que os
psicólogos, os psicanalistas e psiquiatras têm se empenhado para
estudar, compreender e combater tem suas raízes também nesta Queda.
Neste sentido, recomendo o velho livro do Rev. Richard Baxter,
“Superando a tristeza e a depressão com fé”, cujo conteúdo é antes da
criação da psicologia moderna.
A crise de ordem sociológica, política e econômica vem logo em seguida: – a “mulher”, “ela me deu”
(Gn 3:12) – a tendência de culpar sempre a outra pessoa, o próximo. Daí
as guerras, a dedicação para entender as relações internacionais, a
diplomacia e as missões de paz entre nações, além do esforço das forças
armadas e da polícia para evitar a guerra e o derramamento de sangue
entre os irmãos, as lutas de classe e a desigualdade social e manter a
paz. A leitura dos cientistas políticos, cristãos, evangelicais e também
anglicanos Robinson Cavalcanti e Paul Freston, são fundamentais para
compreender estes aspectos e saber fazer leitura de conjunturas tanto no
contexto em que vivemos como em níveis mais amplos.
E, finalmente, a crise de ordem ecológica ou ambiental. A terra sofre uma deformação, “maldita
é a terra por causa de tua decisão; em fatigas obterás dela o sustento
durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e
tu comerás a erva do campo” (Gn 3:18). O surgimento das ervas
daninhas, dos espinhos, das plantas venenosas bem como as mudanças
climáticas, a morte dos manguezais, e destruição do meio ambiente, a
poluição dos rios e derrubada das florestas, a extinção das espécies, as
queimadas e toda a agressão da natureza sofrida pela ação do próprio
homem, tem sua matriz última na Queda narrada no texto bíblico.
É
muito importante que compreendamos que o dilema da raça humana, é,
antes de tudo, um dilema moral. Nosso problema básico é o pecado, como
nos lembra Francis Schaeffer, “uma culpa mora real (não apenas o
sentimento de culpa), e um pecado moral real, porque pecamos contra um
Deus que é real, e que é santo”.
Preciso
ter pelo menos duas atitudes certas, diante do meu dilema: reconhecer e
confessar o meu pecado objetivamente (1Jo 2:9) e arrepender-me e
restituir a quem pequei, com base no caráter daquEle que me criou
segundo à Sua própria imagem e semelhança. Não apenas para sentir um
alívio psicológico, mas porque a restauração passa por estas atitudes.
A
preocupação em defender e proteger a vida e a integridade da criação é
uma das marcas vitais desta Igreja que se encontra em franco processo de
amadurecimento. Como cristão evangelical e anglicano, me alegro de ter
encontrado nesta parcela da Igreja de Cristo, um lugar de cura em todas
as dimensões: físicas, espirituais, psicológicas e, até mesmo,
ambientais, com base somente na graça de Cristo, em sua obra consumada,
no tempo e no espaço, quando Ele foi à cruz por mim, morreu por mim,
ressuscitou por mim e voltará segunda vez, por mim.
A
construção de uma Diocese Anglicana e seu amadurecimento, sem dúvida
alguma, passa pelas dimensões, de vida e de presença na história deste
país.
É
claro que há falhas neste processo de uma Diocese Anglicana a serem
evitadas e corrigidas. Daí a importância dos Sínodos e Retiros, das
ações desenvolvidas pelos secretariados em suas diversas temáticas. Mas,
ainda assim, é uma construção bastante relevante no processo de
amadurecimento em território brasileiro.
Que
Deus, em Sua bondade, nos ilumine e encoraje a crescer não apenas em
quantidade, mas igualmente em qualidade dentro de uma multidimensão de
vida e de presença na sociedade em que vivemos. Para a glória do Seu
Nome e pela dignidade do Seu Evangelho.
¬ Rev. Ivaldo Sales da Silva é
Presbítero na Diocese do Recife; Assessor Diocesano para Defesa da Vida
e da Criação; e membro da Ordem de Santo Estevão (OSE).
Contato:
pastor.aids@yahoo.com.br