Robinson Cavalcanti ([i])
O Sacro-Império Germânico
Romano, como unidade política sob a hegemonia papal, estava se desintegrando
sob a força do emergente nacionalismo. O feudalismo também iniciava o seu
declínio. Dentre as forças políticas medievais, declinavam o Papa, o Imperador e
os Barões, e se fortaleciam os Reis e a nobreza. O próximo passo seria a
independência dos países, mas romper com o Sacro-Império era, também, romper
com o papado. A situação da Inglaterra não era diferente, com a diferença que
sua Igreja fora independente no passado, que sempre tinha mantido uma relativa
autonomia, e que recebera a influência da Pré-Reforma de John Wycliffe.
Ao contrário de Wycliffe,
Lutero e os reformadores tiveram a seu favor a descoberta da imprensa e a
conversão do seu inventor, Gutemberg, o que possibilitaria uma rápida
disseminação de suas ideias. As 95 Teses foram afixadas por Lutero, em
Wittemberg, em 31 de outubro de 1517. Já em 1520 as ideias protestantes eram
estudadas pelo clero inglês e por professores e alunos das Universidades de
Oxford e Cambridge. Cambridge se tornou, desde cedo, o epicentro da Reforma
Inglesa, com as reuniões de debate se dando todas as tardes na Taverna do
Cavalo Branco.
Por um lado, temos que
desmitificar a versão de que “a Igreja Anglicana foi fundada pelo rei Henrique
VIII”, pois, como já se disse: “A Reforma Inglesa viria com Henrique VIII, sem
ele ou contra ele”.
Henrique VIII, a partir de
1509, teve uma gestão positiva como rei, fundando a primeira escola secundária
pública do reino, em um anexo à Catedral de Cantuária (o “King’s School”), que
funciona até hoje. A questão da sucessão dinástica não era, então, um assunto
privado, mas uma questão de segurança nacional. Anulações de casamentos, por
interesse político, já conheciam precedentes por parte do papado. O que não
acontece em seu caso, em razão da sua primeira esposa ser sobrinha do
Imperador. O rei era, originalmente, um devoto católico romano, chegando a
escrever um texto para refutar as posições de Lutero sobre os Sacramentos,
recebendo do papa o título de Defensor da Fé (Defensor Fidei), usado pelos reis
ingleses ainda hoje.
O cenário começa a mudar
com a posse de Thomas Cranmer como Arcebispo de Cantuária, em 1533. Cranmer,
professor em Cambridge, já tinha aderido ao Protestantismo, e era um dos
componentes do grupo da Taverna do Cavalo Branco. Ele anula o primeiro
casamento do rei, e celebra o novo casamento. O Parlamento – cheio de
nacionalistas – aprova essas medidas. O Parlamento agora tratando o papa de “o
Bispo de Roma, também chamado de Papa”, foi aprovando uma sucessão de leis de
afirmação da autonomia da Igreja Inglesa. Os mosteiros foram dissolvidos. As
terras da Igreja sofreram uma reforma agrária. Suspendeu-se o envio de impostos
para o papa e para o imperador. O rei recebeu, em 1534, o título de “Governador
e Suprema Cabeça da Igreja”. O Arcebispo de Cantuária é estabelecido como
titular da hierarquia. Surgia a Igreja da Inglaterra como Igreja Nacional.
A Reforma Inglesa se deu
por Atos do Parlamento sancionados pelo rei, com o apoio dos intelectuais e da
liderança do clero. Embora a Bíblia (secretamente) já fosse distribuída desde
Wycliffe, no século XIV, agora o povo a demandava abertamente, o que foi feito
com a nova tradução para o vernáculo, liderada por William Tyndale.
De seus casamentos, o rei
Henrique VIII, ao falecer, deixara três filhos, de três esposas diferentes, que
seguiam a religião de suas mães: Eduardo, o mais velho e Elizabeth, a mais
nova, eram protestantes; e Maria, a do meio, era católica romana.
De 1547 a 1553 reinou
Eduardo VI, que, por ser menor de idade, foi assessorado por regentes,
igualmente protestantes, que aprofundaram a Reforma, com a aprovação pelo
Parlamento, em 1549, do Livro de Oração Comum (LOC) compilado pelo Arcebispo
Cranmer. Os altares de pedra foram substituídos por mesas de madeira, o
celibato clerical foi revogado, o povo passou a receber a Ceia nas duas
espécies, foram retiradas as imagens dos altares, a Eucaristia deixou de ter um
caráter sacrificial, foi abolida as orações pelos mortos e simplificadas as
vestes clericais. São decretados os “Quarenta e Dois Artigos”, de forte
inspiração calvinista.
De 1553 a 1558 reinou
Maria, que se reconcilia com Roma, impõe de volta a religião católica romana,
recebendo o epíteto de “a sanguinária”, por ter sido responsável pela execução
de mais de 300 clérigos, dentre eles o Arcebispo de Cantuária Thomas Cranmer (o
pensador principal da Reforma Inglesa) e os Bispos Latimer e Ridley, queimados
vivos na estaca no centro de Oxford. Na execução, já queimando, o Bispo Latimer
gritou para o seu companheiro de infortúnio: “Conforte-se, mestre Ridley, e
seja homem; devemos encarar esse dia com sendo candelabros da Graça de Deus
sobre a Inglaterra, e essa chama jamais será apagada”.
Segue-se o longo reinado de
Elizabeth I, de 1558 a 1603, que rompe, outra vez, com a Igreja de Roma, edita,
em 1559, uma nova versão do Livro de Oração Comum (LOC), como única liturgia
oficial, reduzindo para 39 “Os Artigos de Religião”. Elizabeth sofre pressão;
de um lado, do remanescente dos restauracionistas pró-Roma, e, do outro, dos
“puritanos”, que voltavam do exílio sob forte influência de expressões mais
extremadas da Reforma. Ela se mantém fiel ao espírito da Primeira Reforma,
fazendo o Parlamento aprovar duas leis fundamentais: O Ato de Supremacia e o
Ato de Uniformidade, o que significaria não voltar para Roma e não ceder às
pressões de Genebra. Esse “estabelecimento elizabethano” forjou a face do
Anglicanismo, como Igreja Católica e Protestante. O principal pensador dessa época,
e defensor da “via média” Anglicana, foi Richard Hooker, autor da obra clássica
“Das Leis da Política Eclesiástica”, 1594.
Com a morte de Elizabeth,
em 1603, assume o trono o rei Jaime I, da Escócia, que autoriza a edição da
famosa “Bíblia King James”, sendo sucedido, em 1625, por seu filho Carlos I,
tentando manobrar no meio do conflito entre romanistas, elizabethanos e
puritanos, todos insatisfeitos, e com seus próprios projetos.
Uma Guerra Civil tem início
em 1642, vencida pelo exército de hegemonia puritana, que prende o rei Carlos I
e o executa, em 1649. A partir de 1643, todo poder permanece com o Parlamento,
que estabelece o presbiterianismo como religião oficial, e convoca a Assembleia
dos teólogos calvinistas para, reunidos na Abadia de Westminster, redigirem um
Guia de Culto, uma Confissão de Fé e um Pequeno e um Grande Catecismo. Em 1648,
Oliver Cromwell, máximo dirigente militar, dissolve o Parlamento e dá início a
uma ditadura de puritanos, se denominando de “Protetor”. Com sua morte, em 1660,
o seu filho Richard não consegue segurar o regime. O Parlamento volta a
funcionar normalmente, chamando para o trono o filho de Carlos I, Carlos II,
restaurando o Episcopado e o Livro de Oração Comum (LOC), retomando a hegemonia
Anglicana.
Perto de sua morte, em
1685, Carlos II abraça o catolicismo, e é substituído por seu irmão Jaime II,
um católico, que pretendia nova vinculação à Igreja de Roma, o que põe a nação
inglesa em ebulição. A aristocracia, respaldada pela maioria do exército, da
burguesia e do povo, entra em contato com a princesa Maria, filha de Jaime II,
casada com o príncipe holandês, Guilherme de Orange, ambos protestantes, que
concordam em derrubar o pai/sogro. Em 18 de dezembro de 1688, o rei Jaime II
foge de Londres, e Guilherme e Maria entram, triunfalmente, no que viria a ser
denominada de “A Revolução Gloriosa”, pelo não derramamento de sangue e pelo
alto consenso.
No final do século XVII,
154 anos desde a separação de Roma com Henrique VIII, após avanços e recuos em
várias direções, surge uma nova nação inglesa com uma Monarquia Parlamentarista
e uma Igreja Nacional, que, com pequenos ajustes, restaura o estabelecimento
elizabethano. A Igreja na Inglaterra se torna a Igreja da Inglaterra. O
Anglicanismo – católico e reformado – se torna um ramo específico na Igreja de
Cristo.