sábado, 24 de junho de 2017

A IGREJA ANGLICANA E A REFORMA INGLESA


Robinson Cavalcanti ([i])

O Sacro-Império Germânico Romano, como unidade política sob a hegemonia papal, estava se desintegrando sob a força do emergente nacionalismo. O feudalismo também iniciava o seu declínio. Dentre as forças políticas medievais, declinavam o Papa, o Imperador e os Barões, e se fortaleciam os Reis e a nobreza. O próximo passo seria a independência dos países, mas romper com o Sacro-Império era, também, romper com o papado. A situação da Inglaterra não era diferente, com a diferença que sua Igreja fora independente no passado, que sempre tinha mantido uma relativa autonomia, e que recebera a influência da Pré-Reforma de John Wycliffe.

Ao contrário de Wycliffe, Lutero e os reformadores tiveram a seu favor a descoberta da imprensa e a conversão do seu inventor, Gutemberg, o que possibilitaria uma rápida disseminação de suas ideias. As 95 Teses foram afixadas por Lutero, em Wittemberg, em 31 de outubro de 1517. Já em 1520 as ideias protestantes eram estudadas pelo clero inglês e por professores e alunos das Universidades de Oxford e Cambridge. Cambridge se tornou, desde cedo, o epicentro da Reforma Inglesa, com as reuniões de debate se dando todas as tardes na Taverna do Cavalo Branco.

Por um lado, temos que desmitificar a versão de que “a Igreja Anglicana foi fundada pelo rei Henrique VIII”, pois, como já se disse: “A Reforma Inglesa viria com Henrique VIII, sem ele ou contra ele”.

Henrique VIII, a partir de 1509, teve uma gestão positiva como rei, fundando a primeira escola secundária pública do reino, em um anexo à Catedral de Cantuária (o “King’s School”), que funciona até hoje. A questão da sucessão dinástica não era, então, um assunto privado, mas uma questão de segurança nacional. Anulações de casamentos, por interesse político, já conheciam precedentes por parte do papado. O que não acontece em seu caso, em razão da sua primeira esposa ser sobrinha do Imperador. O rei era, originalmente, um devoto católico romano, chegando a escrever um texto para refutar as posições de Lutero sobre os Sacramentos, recebendo do papa o título de Defensor da Fé (Defensor Fidei), usado pelos reis ingleses ainda hoje.

O cenário começa a mudar com a posse de Thomas Cranmer como Arcebispo de Cantuária, em 1533. Cranmer, professor em Cambridge, já tinha aderido ao Protestantismo, e era um dos componentes do grupo da Taverna do Cavalo Branco. Ele anula o primeiro casamento do rei, e celebra o novo casamento. O Parlamento – cheio de nacionalistas – aprova essas medidas. O Parlamento agora tratando o papa de “o Bispo de Roma, também chamado de Papa”, foi aprovando uma sucessão de leis de afirmação da autonomia da Igreja Inglesa. Os mosteiros foram dissolvidos. As terras da Igreja sofreram uma reforma agrária. Suspendeu-se o envio de impostos para o papa e para o imperador. O rei recebeu, em 1534, o título de “Governador e Suprema Cabeça da Igreja”. O Arcebispo de Cantuária é estabelecido como titular da hierarquia. Surgia a Igreja da Inglaterra como Igreja Nacional.

A Reforma Inglesa se deu por Atos do Parlamento sancionados pelo rei, com o apoio dos intelectuais e da liderança do clero. Embora a Bíblia (secretamente) já fosse distribuída desde Wycliffe, no século XIV, agora o povo a demandava abertamente, o que foi feito com a nova tradução para o vernáculo, liderada por William Tyndale.

De seus casamentos, o rei Henrique VIII, ao falecer, deixara três filhos, de três esposas diferentes, que seguiam a religião de suas mães: Eduardo, o mais velho e Elizabeth, a mais nova, eram protestantes; e Maria, a do meio, era católica romana.

De 1547 a 1553 reinou Eduardo VI, que, por ser menor de idade, foi assessorado por regentes, igualmente protestantes, que aprofundaram a Reforma, com a aprovação pelo Parlamento, em 1549, do Livro de Oração Comum (LOC) compilado pelo Arcebispo Cranmer. Os altares de pedra foram substituídos por mesas de madeira, o celibato clerical foi revogado, o povo passou a receber a Ceia nas duas espécies, foram retiradas as imagens dos altares, a Eucaristia deixou de ter um caráter sacrificial, foi abolida as orações pelos mortos e simplificadas as vestes clericais. São decretados os “Quarenta e Dois Artigos”, de forte inspiração calvinista.

De 1553 a 1558 reinou Maria, que se reconcilia com Roma, impõe de volta a religião católica romana, recebendo o epíteto de “a sanguinária”, por ter sido responsável pela execução de mais de 300 clérigos, dentre eles o Arcebispo de Cantuária Thomas Cranmer (o pensador principal da Reforma Inglesa) e os Bispos Latimer e Ridley, queimados vivos na estaca no centro de Oxford. Na execução, já queimando, o Bispo Latimer gritou para o seu companheiro de infortúnio: “Conforte-se, mestre Ridley, e seja homem; devemos encarar esse dia com sendo candelabros da Graça de Deus sobre a Inglaterra, e essa chama jamais será apagada”.

Segue-se o longo reinado de Elizabeth I, de 1558 a 1603, que rompe, outra vez, com a Igreja de Roma, edita, em 1559, uma nova versão do Livro de Oração Comum (LOC), como única liturgia oficial, reduzindo para 39 “Os Artigos de Religião”. Elizabeth sofre pressão; de um lado, do remanescente dos restauracionistas pró-Roma, e, do outro, dos “puritanos”, que voltavam do exílio sob forte influência de expressões mais extremadas da Reforma. Ela se mantém fiel ao espírito da Primeira Reforma, fazendo o Parlamento aprovar duas leis fundamentais: O Ato de Supremacia e o Ato de Uniformidade, o que significaria não voltar para Roma e não ceder às pressões de Genebra. Esse “estabelecimento elizabethano” forjou a face do Anglicanismo, como Igreja Católica e Protestante. O principal pensador dessa época, e defensor da “via média” Anglicana, foi Richard Hooker, autor da obra clássica “Das Leis da Política Eclesiástica”, 1594.

Com a morte de Elizabeth, em 1603, assume o trono o rei Jaime I, da Escócia, que autoriza a edição da famosa “Bíblia King James”, sendo sucedido, em 1625, por seu filho Carlos I, tentando manobrar no meio do conflito entre romanistas, elizabethanos e puritanos, todos insatisfeitos, e com seus próprios projetos.

Uma Guerra Civil tem início em 1642, vencida pelo exército de hegemonia puritana, que prende o rei Carlos I e o executa, em 1649. A partir de 1643, todo poder permanece com o Parlamento, que estabelece o presbiterianismo como religião oficial, e convoca a Assembleia dos teólogos calvinistas para, reunidos na Abadia de Westminster, redigirem um Guia de Culto, uma Confissão de Fé e um Pequeno e um Grande Catecismo. Em 1648, Oliver Cromwell, máximo dirigente militar, dissolve o Parlamento e dá início a uma ditadura de puritanos, se denominando de “Protetor”. Com sua morte, em 1660, o seu filho Richard não consegue segurar o regime. O Parlamento volta a funcionar normalmente, chamando para o trono o filho de Carlos I, Carlos II, restaurando o Episcopado e o Livro de Oração Comum (LOC), retomando a hegemonia Anglicana.

Perto de sua morte, em 1685, Carlos II abraça o catolicismo, e é substituído por seu irmão Jaime II, um católico, que pretendia nova vinculação à Igreja de Roma, o que põe a nação inglesa em ebulição. A aristocracia, respaldada pela maioria do exército, da burguesia e do povo, entra em contato com a princesa Maria, filha de Jaime II, casada com o príncipe holandês, Guilherme de Orange, ambos protestantes, que concordam em derrubar o pai/sogro. Em 18 de dezembro de 1688, o rei Jaime II foge de Londres, e Guilherme e Maria entram, triunfalmente, no que viria a ser denominada de “A Revolução Gloriosa”, pelo não derramamento de sangue e pelo alto consenso.

No final do século XVII, 154 anos desde a separação de Roma com Henrique VIII, após avanços e recuos em várias direções, surge uma nova nação inglesa com uma Monarquia Parlamentarista e uma Igreja Nacional, que, com pequenos ajustes, restaura o estabelecimento elizabethano. A Igreja na Inglaterra se torna a Igreja da Inglaterra. O Anglicanismo – católico e reformado – se torna um ramo específico na Igreja de Cristo.







                  

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